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Reforma tributária: o que muda no jogo fiscal para as empresas?
A reforma tributária, aprovada em 2023, marca uma das maiores transformações fiscais no Brasil. Visando simplificar tributos e criar um ambiente de negócios mais previsível, ela gerou atenção e preocupação em empresas de médio e grande porte.
Os impactos vão da gestão de capital de giro à precificação de contratos e estratégias de investimento. Nosso objetivo com este artigo é detalhar os pontos-chave da nova legislação e seus efeitos para empresas com grandes projetos e contratos de longo prazo. Boa leitura!
Neste artigo, você vai entender:
O que é a reforma tributária e porque ela foi aprovada?
A reforma tributária busca reestruturar o modelo de cobrança de impostos sobre o consumo no Brasil. Por décadas, o país conviveu com um modelo fragmentado, considerado um dos sistemas mais complexos do mundo, marcado por:
- Sobreposição de tributos em diferentes esferas de governo (federal, estadual e municipal);
- Dificuldade de apuração de créditos tributários;
- Alta litigiosidade entre contribuintes e o Fisco;
- Incentivos que geraram distorções econômicas e guerra fiscal entre estados.
A aprovação da reforma tributária veio como resposta a uma demanda antiga do mercado por um sistema mais eficiente e transparente.
Os objetivos são a simplificação da tributação sobre o consumo, a redução do custo de conformidade tributária para as empresas, o estímulo à competitividade do ambiente de negócios e a busca por maior neutralidade na arrecadação, evitando que o sistema fiscal distorça decisões econômicas ou interfira na dinâmica natural das cadeias produtivas.
Com a reforma, o Brasil dá um passo em direção a um sistema mais alinhado com as melhores práticas internacionais, adotando o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) como base.
A reforma tributária foi aprovada: o que muda na prática?
A mudança mais significativa é a substituição de cinco tributos atuais por dois novos impostos sobre o consumo, inspirados no modelo do IVA, já utilizado em diversos países.
Os tributos que serão extintos incluem:
- ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – estadual);
- ISS (Imposto sobre Serviços – municipal);
- PIS (Programa de Integração Social – federal);
- COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – federal);
- IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados – federal, que será parcialmente incorporado).
Eles serão substituídos por dois novos impostos:
- CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços): de competência federal, irá substituir PIS e COFINS;
- IBS (Imposto sobre Bens e Serviços): com gestão compartilhada entre estados e municípios, irá substituir ICMS e ISS.
Como funciona a lógica do IVA?
Tanto o CBS quanto o IBS incidem sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia de produção e comercialização. Isso significa que cada empresa recolhe o imposto sobre a diferença entre o valor de suas vendas e o valor das suas compras.
Um dos principais benefícios é o direito ao crédito tributário amplo, o que tende a reduzir os efeitos cumulativos típicos do sistema atual. Na prática, isso permite que as empresas abatam os impostos pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva, melhorando a transparência e a previsibilidade tributária.
Cronograma de implementação
A transição para o novo sistema será de forma gradual. O objetivo é permitir que todos tenham tempo para se adequar. O cronograma básico é o seguinte:
- 2026: Ano teste da CBS e IBS, com alíquotas reduzidas que serão compensadas no PIS/COFINS;
- 2027: Cobrança do CBS e extinção do PIS/COFINS. Redução a zero das alíquotas do IPI com exceção da ZFM e instituição do Imposto Seletivo;
- 2029 a 2032: Transição do ICMS e ISS para o IBS via aumento gradual do IBS contra uma redução gradual dos tributos antigos;
- 2033: Extinção do ICMS e ISS e plena implementação do novo modelo tributário.
Split payment: a mudança que mais impacta o caixa das empresas
O split payment talvez seja a mudança mais significativa do ponto de vista operacional e financeiro.
Diferentemente do modelo atual, em que a empresa recebe o valor bruto da venda e recolhe os tributos posteriormente (geralmente em até 30 dias), com o split payment, o valor referente à CBS e ao IBS será automaticamente retido no momento do pagamento e transferido diretamente ao Fisco pelo intermediário financeiro (como bancos ou adquirentes de cartão).
Essa antecipação do recolhimento afeta diretamente o capital de giro, reduz a liquidez imediata das empresas e pode gerar descompassos relevantes entre receita bruta faturada e receita disponível em caixa. O impacto será ainda mais intenso em operações de recebíveis e vendas a prazo.
Para empresas que dependem de fluxo de caixa prolongado ou operam com margens reduzidas, a adaptação exigirá revisão dos modelos de precificação, negociações com fornecedores, ajustes nos prazos de recebimento e maior integração entre as áreas fiscal, financeira e comercial.
Por outro lado, o split payment também traz uma consequência indireta que impacta a cultura fiscal das empresas: ao eliminar a autonomia sobre o recolhimento dos tributos, ele reduz a possibilidade de postergação intencional dos pagamentos, como o não recolhimento corrente seguido de parcelamentos junto ao Fisco.
Na prática, empresas que utilizam esse prazo como uma ferramenta adicional de gestão de caixa precisarão se adaptar a um cenário em que o recolhimento é automático e imediato.
Isso exigirá maior rigor no planejamento tributário, maior previsibilidade no fluxo de caixa e ainda mais disciplina na gestão financeira. O ambiente tende a se tornar mais transparente e controlado, mas também impõe novos desafios operacionais.
Impactos práticos para as empresas durante a transição
A transição exige grande esforço das empresas para atualizar sistemas (ERP, contabilidade, compliance) e lidar com o cálculo de impostos em duas bases, aumentando o risco de erros fiscais.
Além disso, será necessário redobrar a atenção na gestão de fluxo de caixa e no planejamento tributário, já que o modelo de split payment também começará a ser implementado.
Outro ponto é que a transição será acompanhada por uma fase de ajustes de alíquotas, ainda não totalmente definidas, o que pode dificultar o planejamento financeiro de médio e longo prazo e trazer insegurança jurídica.
Por isso, as empresas precisam começar, o quanto antes, a modelar os impactos da reforma e sensibilizar diferentes cenários, considerando as particularidades de sua cadeia produtiva, estrutura societária e regime de tributação.
Mais do que apenas revisar processos, contratos e sistemas internos, é essencial construir uma visão clara e estratégica das potenciais mudanças, com o apoio de uma consultoria especializada, para minimizar riscos e identificar oportunidades dentro do novo cenário tributário.
O que muda para as empresas do Simples Nacional?
Para essas empresas, o sistema atual de tributação por faixas de faturamento será mantido. Elas continuarão apurando seus tributos com base em uma alíquota efetiva variável, conforme o volume de receita bruta anual.
No entanto, um ajuste importante será feito nas alíquotas de referência utilizadas no Simples Nacional, de modo a refletir a nova estrutura tributária e manter o princípio de neutralidade arrecadatória.
Vale lembrar que a neutralidade é uma diretriz que norteia toda a reforma, buscando evitar distorções econômicas também para empresas no Lucro Real e Presumido. A ideia central é que as mudanças de alíquota não resultem, em teoria, em aumento generalizado de carga tributária, mas a efetividade desse objetivo dependerá muito da realidade de cada setor e da forma como os créditos serão aproveitados.
Além disso, as empresas do Simples Nacional terão a possibilidade de optar por um regime alternativo: o recolhimento separado da CBS e do IBS, com a possibilidade de apuração e aproveitamento de créditos tributários. Essa escolha pode ser vantajosa para empresas que atuam como fornecedoras em cadeias produtivas mais longas, onde o aproveitamento de créditos pelos clientes pode gerar um diferencial competitivo.
A escolha entre permanecer no regime tradicional do Simples ou migrar para o recolhimento separado deverá ser feita com base em uma análise detalhada do perfil de receitas, estrutura de custos e posição na cadeia de valor da empresa. Cada caso exigirá uma simulação personalizada, considerando os impactos sobre a margem de lucro, o fluxo de caixa e a competitividade no mercado.
Já para os Microempreendedores Individuais (MEIs), a reforma não trará impactos diretos. Os MEIs continuarão seguindo as regras atuais, sem alteração nas alíquotas ou nas obrigações acessórias.
- Leia também: O que é modelagem financeira e como fazer
Impactos para empresas: simplificação ou novos desafios?
Embora o discurso sobre a reforma tributária enfatize a simplificação do sistema, as empresas podem ter desafios para se adequarem ao novo sistema:
Aumento da alíquota nominal e o desafio de entender a alíquota efetiva
Um dos temas que mais têm gerado preocupação é a definição da alíquota efetiva de impostos. As primeiras projeções indicam que a alíquota nominal (somando CBS e IBS) pode chegar a 28%, o que, à primeira vista, parece um aumento expressivo da carga tributária.
No entanto, a alíquota efetiva, ou seja, o percentual que cada empresa realmente pagará, considerando os créditos a que terá direito, será bastante variável. Os principais fatores que vão influenciar esse número incluem:
- A capacidade da empresa de acumular créditos tributários com seus fornecedores;
- O perfil da sua cadeia produtiva (mais ou menos sujeita à geração de créditos);
- O tipo de produto ou serviço oferecido (com ou sem direito a crédito);
- A estrutura societária e o regime tributário vigente;
- A exposição ao consumidor final, onde normalmente há menos créditos a serem aproveitados.
Empresas com cadeias longas e grande capacidade de geração de créditos, como indústrias e empresas de infraestrutura com alto volume de investimentos, poderão experimentar uma alíquota efetiva mais baixa.
Por outro lado, empresas com foco no consumidor final, como as de varejo ou prestação de serviços B2C, onde há menor acúmulo de créditos, podem ver um aumento significativo da carga tributária.
Além da geração de créditos, alguns setores da economia serão contemplados com regimes específicos, que preveem descontos sobre a alíquota nominal de 28%. Esses regimes favorecidos têm como objetivo atenuar os impactos da reforma sobre segmentos atualmente beneficiados por incentivos fiscais.
As regras detalhadas ainda estão em discussão e devem ser definidas por meio de lei complementar. Entre os setores que devem ser beneficiados estão: saúde, agropecuária, transporte público, combustíveis, lubrificantes e operações com bens imóveis.
Repercussão nos contratos: necessidade de reequilíbrio
Diante dessas mudanças estruturais, uma consequência inevitável é a revisão dos contratos comerciais.
Empresas que operam sob contratos de longo prazo (como concessões públicas e PPPs) já costumam contar com cláusulas que permitem pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro, como forma de compensar impactos regulatórios e fiscais. Nesses casos, a reforma tributária pode ser um gatilho legítimo para solicitar ajustes nos contratos vigentes.
Por outro lado, empresas que atuam no mercado privado (especialmente aquelas com grande volume de contratos com clientes B2B ou B2C) terão um trabalho extenso pela frente para mapear todos os contratos vigentes e renegociar condições, de forma a incorporar os novos custos tributários e proteger a rentabilidade.
- Leia também: Reequilíbrio econômico-financeiro do contrato
Como se preparar: planejamento fiscal em tempos de mudança
As mudanças já foram aprovadas e o cronograma de implementação está em curso. Por isso, empresas precisam começar, desde já, a se antecipar aos impactos e planejar estrategicamente sua adaptação ao novo sistema. Quem deixar para reagir apenas quando as novas regras entrarem plenamente em vigor corre o risco de enfrentar:
- Perda de margem operacional, por não ter reavaliado a precificação de seus produtos e serviços a tempo;
- Descompasso no fluxo de caixa, agravado pela implementação do split payment, que vai exigir mais capital de giro para sustentar a operação;
- Insegurança contratual, caso a empresa não faça uma revisão prévia de seus contratos com clientes e fornecedores, considerando os novos impactos tributários;
- Aumento de custo operacional, com custos emergenciais de adequação sistêmica.
Avaliação de riscos e oportunidades: curto, médio e longo prazo
O primeiro passo é uma análise detalhada da cadeia produtiva, mapeando como cada elo será afetado pela nova tributação. Isso inclui:
- Simulações de alíquota efetiva, considerando o perfil de crédito tributário de cada etapa da cadeia;
- Estudos de impacto no capital de giro, especialmente para empresas com grande volume de transações ou com forte atuação no B2B;
- Revisão de políticas comerciais, reavaliando margens, prazos de pagamento e condições de negociação;
- Adequação dos sistemas de gestão (ERP e contabilidade), garantindo que estejam preparados para as novas exigências de apuração e recolhimento dos tributos.
No médio e longo prazo, será fundamental também revisitar o planejamento estratégico, recalculando projeções financeiras, estratégias de expansão e investimentos.
A importância da assessoria especializada
Diante desse cenário, contar com uma assessoria especializada em planejamento fiscal e financeiro deixou de ser um diferencial e passou a ser uma necessidade. Cada empresa terá um conjunto único de desafios e oportunidades, e as decisões tomadas agora vão impactar a competitividade e a saúde financeira nos próximos anos.
- Você pode se interessar: Checklist de Gestão Financeira para empresas
Como a Crescento pode ajudar
Na Crescento, entendemos que a reforma tributária representa muito mais do que uma mudança nas regras fiscais. Ela é uma oportunidade para as empresas que souberem agir de forma estratégica.
Nossa equipe atua ao lado dos clientes em diferentes frentes:
- Simulação de cenários de alíquota efetiva, com foco em preservar margem e rentabilidade;
- Análise de impacto no fluxo de caixa, considerando o split payment e outras mudanças relevantes;
- Apoio na revisão e renegociação de contratos, ajudando a proteger os interesses da empresa diante das novas regras;
- Ajustes na estrutura societária e no planejamento tributário, buscando a melhor eficiência fiscal;
- Consultoria especializada para concessões e PPPs, incluindo suporte em pleitos de reequilíbrio contratual.
Além disso, oferecemos ferramentas e checklists personalizados para que cada cliente possa revisar sua estrutura tributária de ponta a ponta, com clareza e segurança.
Quanto mais cedo sua empresa começar esse movimento, maiores as chances de transformar os desafios em vantagens competitivas no novo cenário fiscal brasileiro.
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